Moonlight: Sob a Luz do Luar

Moonlight - Sob a Luz do Luar - Filme 2016 - Cinema e Psicanálise
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Eu só quero que você fale alguma coisa.

Dizer alguma coisa é o mínimo que se espera e que se pede ao outro para que uma relação possa ter início.

Assim é no início da vida. Para os falantes. Papel fundamental desenvolvido pelos pais, em especial pela mãe nos primeiros tempos e por aquelas e aqueles que fazem essa função inaugural de chamar para a vida o ser que nasceu.

Desse que chamamos Outro virá uma palavra que dá nome e sentido à existência do rebento. E ele devolverá a seu modo a aceitação de entrar (ou não!) nesse jogo de linguagem. Se o jogo começar nascerá um Sujeito da linguagem e a infernal e bendita condenação de ser submetido a ela até o momento derradeiro, tudo dependerá disso.

No belo filme do diretor Barry Jenkins, Juan, um traficante cheio de poderes locais, encontra o frágil menino Chiron e o salva de uma gangue de meninos que o ameaçava.

Juan tem uma mulher, Teresa, que, apesar do silêncio inicial de Chiron, o acolhe e alimenta. Juan, inquieto com o silêncio cerrado de Chiron, diz: “Eu só quero que você fale alguma coisa.

Algum tempo depois, acontece o milagre: “Meu nome é Chiron.”

Assim somos iniciados ao filme Moonlight – Sob a luz do luar, ganhador do Oscar (não que isso signifique muita coisa, afinal magníficos filmes sequer passaram lá por perto!)

Na periferia de uma grande cidade um garoto sofre com a ausência do pai e uma mãe viciada em drogas. Entre a violência na escola e nas ruas encontrará algumas referências em personagens que se tornarão importantes para toda a vida. 

O filme é daqueles que podemos chamar de um verdadeiro estudo de personagem.

Fui pesquisar e olha o que encontrei: Chiron (Ou Quíron em português) é um centauro. Dito imortal, foi abandonado pelo pai e mãe. Encontrado pelo deus Apolo, este o assumiu, dando a ele uma paternidade, criou como um filho. De tudo Apolo lhe ensinou e Chiron acabou versado em artes, música, poesia, filosofia, ética, medicina e até nas artes proféticas.

Um nome é sempre revelador!

Me chamam de Little” (Pequeno). 

Little é um apelido impessoal, remete a uma característica de um objeto de tamanho pequeno e não de um sujeito. Essa sua condição, de objeto, objeto caído do desejo da mãe que prefere as drogas e não o seu filho. Por isso, ele fala pouco, um objeto tem pouco ou nada a dizer.

E Teresa, sabiamente diz: “Vou te chamar pelo nome.” Chamar pelo nome é convidar à vida. 

A Psicanálise nos ensina a importância do nome. É o selo inicial, o que primeiro nos identifica. Mas também que traz consigo tantos significados, tanto aqueles carregados pela Cultura, quanto aqueles de um grupo de parentesco em particular. 

Tem mais, junto com o nome vem os desejos dos pais, as expectativas, as homenagens, os agradecimentos… E tudo isso vai contribui para destinar um sujeito, esse ‘portador’ do nome. 

Teresa dá a Chiron um lugar, valoriza o nome e não o apelido diminutivo. Tão bom se essa questão dos nomes tivesse mais valor e houvesse mais reflexões sobre ela. Talvez poupassem alguns de ter nomes tão carregados e talvez outros se apropriassem de forma mais “saudável” de seu nome.

O objetivo desta coluna não é fazer uma análise do filme no todo, isso demandaria muito tempo e espaço, que não temos aqui. Vou me ater a esses fragmentos relativos à importância do nome e a importância do lugar dado a um sujeito.  

Logo que conhecem o menino, Juan e Teresa lhe dão comida. Ele tem sinais de uma criança abandonada à própria sorte, indefeso, sem palavras para dizer de si. Alimentar é o primeiro vínculo, maternal, nutrir. 

Aqui já está claro que Teresa e Juan estão fazendo o que em Psicanálise chamamos de função paterna e função materna.

Há uma cena muito bonita no filme. (Aliás, várias cenas!). Eles vão à praia. Juan ensina Chiron a boiar. Pede que ele se solte, que confie nele. Juan diz: “Vamos nadar”.

É importante para a vida que alguém suporte esse lugar de segurança, que seja forte e autoconfiante e que possa transmitir essa autoconfiança para o outro, para o filho. Essas relações e trocas de significados marcam para toda a vida. Por vezes essa função é exercida pelo pai, pela mãe, por um tio, um parente próximo.

Percebam a importância dessa fala do Juan para Chiron: 

Apóie sua cabeça aqui. Deixe sua cabeça apoiada na minha mão. Relaxe. Estou te segurando, eu juro. Não vou te soltar. Eu estou te segurando. Está sentindo? Você é parte do mundo cara. Faça assim. Bacana. Você pegou o jeito.” 

É o nascimento amoroso de Chiron. Juan faz o que o pai de Chiron não fez. É o acolhimento. A segurança. A informação que alguém pode ser bom.

Eles nadam juntos e Chiron imita as braçadas de Juan. É o espelho. O psicanalista francês Jacques Lacan escreveu um texto chamado O Estado do Espelho. Nele explica a importância do outro, da imagem do outro, para a construção do eu, do narcisismo, das identificações.

E mais, Juan diz: “Está pronto. Temos um nadador. Quer tentar?” 

É o modo de construir autoconfiança, receber do outro o investimento, ser valorizado e o Outro libertar o Sujeito para experimentar o que aprendeu.

Diferente disso são as mães e pais que constantemente criticam os filhos, que dizem que eles não vão conseguir, que não os libertam e não os autorizam para a vida. Todo pai e mãe deveriam assistir essa cena mil vezes!

Ainda sobre a importância do lugar, do saber situar-se no mundo, Juan diz a Chiron:

Em algum momento, você tem que decidir quem quer ser. Não pode deixar que ninguém decida por você.”

Frase importantíssima que remete ao Desejo, ao desejar, à autonomia do desejar. Frase que desaliena o Sujeito da vontade do outro. Com isso ele poderá tomar seu lugar no mundo, “ser alguém” como se diz por aí.

No consultório acompanhamos dramas de pacientes tomados por dúvidas atrozes em relação ao seu ser, à relação com o outro, com uma dependência infantil do Outro.

Chiron continuará freqüentando a casa de Juan e Teresa. Eles formaram uma família. Juan lhe oferece uma presença de pai, uma linguagem, as regras e também é um adversário e modelo.

Caso você não tenha assistido o filme, não lei a próxima frase, é spoiler. No final do filme, já adulto, Chiron ocupará no mundo um lugar muito parecido ao qual Juan ocupava, a aparência física, o carrão, Juan, afinal, se tornou seu rival e modelo, sua possibilidade de identificar-se. 

Teresa é a mãe que acolhe, para onde recorre para sentir-se existindo. Ela que o chama pelo nome. É a referência pelo amor.

E Chiron, podemos afirmar, é uma versão contemporânea do Édipo: encarna bem a incerteza sobre a paternidade, a sexualidade e o destino. E nos trancos e contingências da vida vai construindo para si uma identidade possível. 

Desse ponto em diante tem muito filme, mas vou parar por aqui. Recomendo assistir e conhecer a adolescência e vida adulta do Chiron.

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